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"Acho que finalmente me dei conta que o que você faz com a sua vida é somente metade da equação. A outra metade, a metade mais importante na verdade, é com quem está quando está fazendo isso."

29/07/2009

Eu sei, mas não devia

Postei o assunto de ontem aqui no meu blog, sem saber ao certo o que o dia me reservara... e isso foi às 11h40.



Às 08h eu fui ao hospital devido uma gripe muito forte nestas últimas duas semanas. Eu estava lá me sentindo muito incomodada (quando eu vou lá é inevitável sempre me lembro entrando e saindo daquele lugar levando a minha Dany no colo pela última vez), a dor no meu peito era tão grande, senti de novo aquele aperto, uma sensação esquisita, como se naquele momento eu não pertencesse àquele lugar. Não me sentia assim há meses... Enquanto aguardava comecei a pensar o quanto meus filhos são tudo pra mim...

\0/ \0/
E de um modo estranho parece que eu sabia.
Minha filha (+ velha) foi embora sem falar tchau... (Por que a gente se importa quando isso ocorre com certas pessoas?)...Ela partiu, saiu de casa sem dizer nada (e olha que, tirando os problemas, vivíamos felizes a 20 anos). Lembrei-me das poucas brigas, de algumas cobranças, alguns maus entendidos. Nada a comparar com a amizade, o afeto, a cumplicidade. Se uma saía a outra logo acompanhava ou era avisada.... Temos gostos semelhantes. Somos imprevisivas.

Eu vivia criando motivos para presenteá-la mesmo sem motivos festivos ou mesmo quando ela nada me pedia. Ficava satisfeita em vê-la feliz com os seus presentes. Eu amo a minha filha.

Eu não me conformo. Eu a criei, e a conhecia quase perfeitamente, previa seus atos e a via além de sua superfície, aturava suas reclamações, criava histórias e a fazia ver o mundo de um outro ponto de vista, aquele além do comum. E ela partiu deixando pistas e palavras com duplo sentido, um bilhete falando que ia "ali" mais logo estaria de volta, tantas mentiras... Seriam estas, assim tão necessárias? Talvez eu fizesse pior. Me escondesse, fugisse ou ainda conseguisse engolir a mentira e ignorá-la, vivendo normalmente, enquanto um outro sofresse por minha exclusiva culpa. Tudo é tão simples quando se corta as raízes... Quando se apaga da memória o incômodo e vira as costas pra coisas difíceis de alcançar. Perdi algumas esperanças, meus poucos sonhos, inúmeros projetos. Meu idealismo está dentro do poço. Análise: Eu me conformo tão prontamente, aceito o outro, mesmo esse transbordando egoísmo e covardia, supero com uma facilidade hilária e assustadora; beira a conformismo mas na verdade é resignação.

Minha menina inconstante... Chora a toa, ri de bobagens, reclama frequentemente, é decidida. Ela pensa, fala, lê, escreve, e questiona apenas quando tem vontade. Não gosta de expor suas idéias em vão, não propaga seus sonhos e projetos de vida a quem não merece. Parece que cansou das pessoas, da rotina, da alienação, e quis fazer suas próprias regras. Eu ainda estou decifrando suas emoções, atitudes, reações... eu admiro muito do que há nela, mas confesso: ela tem manias irritantes, como falar alto e tão rápido que é raro quem a acompanhe. Roe as unhas. Tem forte atraçao pelo outro lado da história. Demonstra admiração por sonhos subjetivos, personalidades esféricas e difíceis de decifrar. Admira as pessoas que cuidam de si mesma, sem que alguem a prenda na famosa bolha. Puxou a mim na mania de tomar café mil vezes ao dia... O perfil dela no Orkut é "revelador", vejamos:

Definição Subjetiva
Em primeiro lugar amo tudo o q me faz bem.
Gosto de ficar em casa, mas tbém gosto de sair.
As vezes prefiro ficar sozinha, mas tbem gosto de estar entre amigos.
Tem hr que preciso estar em silêncio, mas em outras falar se faz necessário.
Vou com prazer a um lugarzinho mais calmo, mas não rejeitaria uma festa.
Sou caseira as vzs meio cine pipoca, outras internauta, mas isso ñ significa q eu ñ tenha amor pelo mundo q há lá fora...
Tenho o riso completamente solto.
Adoro rir, sorrir e todas as derivações existentes disso.
Gosto de conversas longas, mas odeio a "busca" por assuntos.
Gosto da madrugada, mas isto ñ significa q eu ñ goste de dormir.
Amo pessoas divertidas, mas tbém gosto das sérias!
Sou passional, (defeito, confesso).
Já sofri por assuntos inacabados mas tbém aprendi a dar o próximo passo e ñ olhar pra trás.
Ciúmes, cobranças, suposições, busca por mensagens subliminares, me fazem desencanar rapidinho.
Ñ sou ciumenta, mas já fui em algumas situações.
Desculpo, me desculpo, mas ñ acredito no “voltar a ser o q era antes”, acho utopia.
Odeio falta de respeito e falsidade.
Sou insegura, mas tbém posso ser decidida.
Gosto da faculdade e o estudar a distância, mas ela ñ me completa, sinto falta das conversas do tempo do colégio e do "mudar de ambiente".
Sonho em alcançar êxito profissionalmente, mas na vdd gostaria de me realizar em todos os âmbitos.
Gosto das exatas, e como gosto, mas ñ sou tão racional qnto elas, me mostro tão "mutável" qnto às humanas.
Gosto de opiniões, mas ñ aceito mto bem as críticas.
Sou dedicada ao q faço, mas tbém sou impaciente resultado disso são os inúmeros livros lidos pela metade .
Amo salto alto, mas prefiro uma boa rasteirinha.
Adoro viajar, mas ñ gosto de ficar mto tempo longe.
Gosto do calor, mas se ñ fossem todas aquelas blusas eu ñ dispensaria um friozinho.
Sou mto mais emocional do q racional, mas isso ñ qr dizer q eu sj imprudente.
Tento ser o mais justa possível, o q ñ qr dizer q eu ñ cometa injustiças.
Qro muitas coisas ao mesmo tempo e as vzs ñ qro nd.

Quem eu sou, afinal?
Algm q chora, mas q tbém ri.
Q brinca, mas q tbém fala sério...

A verdade é que cada um é um pouco de tudo o q existe no universo.
E eu não seria diferente.
Sou um pouco de cada coisa, o q me deixa longe do previsível.


\0/ Ufa!
Fui la me despedir dela como se devia. Por mim. Eu a encontrei divertindo-se com a correria, com os compromissos, com a cobrança, com o sossego, com o sabor de criar surpresas, simplesmente pela expectativa do resultado, da consequência, pelo vislumbre da possível expressão alheia. Um dia um namorado dela, dos tempos da adolescência, escreveu em uma cartinha: "Acho incrível esta tua capacidade de ser tão confusa". É ela é espontânea, cética, compulsiva, ansiosa, séria, alegre, falante, segura, insensível, sonhadora, racional, hiperativa, impulsiva e confusa a maior parte do tempo...

Eu não queria fazer público do vazio que me consome, mas não tenho forças e não sei como calar e é desta forma escrevendo que eu me despeço dela, com todo o meu carinho e a, grandeza do meu amor. Eu sou, como VOCÊ dizia: MÃE - e por isso a perda ficou desse tamanho.

O que sera que ela ganhou com isso? Seria o apoio daqueles que nao aceitavam o seu jeito de ser? O amor daqueles que nao te conheciam de verdade? ou a rotina da qual sempre fugiu? ou a vida que sempre quis?

Eu sei, mas não devia
Marina Colasanti

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.

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