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"Acho que finalmente me dei conta que o que você faz com a sua vida é somente metade da equação. A outra metade, a metade mais importante na verdade, é com quem está quando está fazendo isso."

27/01/2025

Ferreira Gullar (1930-2016)


Poeta brasileiro contemporâneo e precursor do movimento neoconcreto, Gullar nasceu em São Luís do Maranhão em 1930.

José Ribamar Ferreira – Ferreira Gullar -, foi poeta, escritor, tradutor e teatrólogo. Considerado um dos maiores autores brasileiros do século XX, foi um dos fundadores do neoconcretismo, movimento marcado pela oposição ao concretismo e defesa de uma maior subjetividade e expressividade artística, liberdade de experimentações e criações artísticas.

Publicou seu primeiro livro, “Um Pouco Acima do Chão”, em 1949.

Em 1964, foi preso e exilado — passou por Moscou, Santiago, Lima e Buenos Aires, só retornando ao Brasil em 1977. Durante o exilio na Argentina, escreveu sua magnum opus, o “Poema Sujo”, um longo poema, com quase 100 páginas, que foi traduzido em 25 países.

Em 1980, publicou “Na Vertigem do Dia” e “Toda Poesia”, que reunia toda sua produção poética até então.


Em 1985, pela tradução da peça “Cyrano de Bergerac”, ganhou o prêmio Molière, o mais importante do teatro nacional. Indicado ao Nobel de Literatura em 2002, o escritor acumulou uma série de prêmios literários durante a sua trajetória, com desataque para os Prêmios Jabuti de Ficção e Poesia, e o Prêmio Camões.

Em 2014, Gullar foi eleito para a cadeira nº 37 da Academia Brasileira de Letras. 

Ferreira Gullar morreu em 4 de dezembro de 2016, aos 86 anos.

Não Há Vagas, um dos grandes poemas do autor, escrito em 1963, faz uma crítica às condições de vida da população, do cenário social brasileiro, passado e presente.

Não Há Vagas

O preço do feijão
não cabe no poema.
O preço do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras

- porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”

Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

O poema, senhores,
não fede
nem cheira




Conclusão do Prof. Rinaldo de Fernandes:

Não há vagas, como foi indicado, se refere sobretudo à poesia, do passado e do presente, que se fecha à ordem do cotidiano. O texto, assim, com esse andamento metalingüístico, com o poema que discute a própria poesia, parece se tecer também como uma poética do autor. Ao se discutir o fazer poético, está se discutindo — embutido no texto — o sentido ou mesmo a função da poesia — para quê, e para quem, ela serve. O poema, assim, se tecendo como uma poética do autor, uma poética marcadamente modernista, e ironizando os poetas indiferentes à vida, ao cotidiano das pessoas comuns (como os parnasianos, por exemplo), traz o seguinte recado: a poesia não deve se furtar às questões sociais. Nela cabe, sim, há vagas para os dramas diários. Portanto: o sentido verdadeiro do poema é o contrário do que nele é dito.

Rinaldo de Fernandes  *** É escritor e professor de literatura da Universidade Federal da Paraíba. Autor de O perfume de Roberta, entre outros.

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